Em textos anteriores aqui no site nós mostramos que alguns animais podem causar graves lesões quando atacam seres humanos. Mas é preciso lembrar: eles só atacam quando se sentem ameaçados (quando invadimos seu território) ou quando tocamos sem querer neles. Baseado nessa última opção, acontecem vários acidentes quando nós os tocamos, pois a maioria deles (serpentes, aranhas, escorpiões) são ariscos o que dificulta enxerga-los. Existem algumas maneiras de salvar pessoas de acidentes com serpentes, por exemplo, lhes oferecendo o soro antiofídico. Mas e para animais como escorpiões e aranhas? Para escorpiões ainda não temos muito o que fazer, mas em relação as aranhas, recentemente tivemos um avanço enorme. Pesquisadores do Instituto Butatã (IB) anunciaram a produção de uma pomada capaz de salvar uma pessoa de uma picada de aranha-marrom (Loxosceles sp) (Figura 1).
Figura 1. Pomada promete salvar pacientes de picadas de aranha-marrom. Foto: Rafael M. Porto.
A pomada é feita à base de tetraciclina, uma substância antibiótica. De acordo com Denise Tambourgi, líder do estudo, "Utilizamos numa concentração abaixo da que seria microbicida, no entanto. Ou seja, menor do que a necessária para ser considerado antibiótico. Mas a empregamos em uma dosagem capaz de interferir na atividade da esfingomielinase D, proteína que é o componente principal do veneno da aranha e que está envolvida no processo de inflamação e de destruição do tecido (necrose) e outros efeitos." Em geral, a aranha-marrom é pequena (0,6 mm a 2 cm) mas causa um estrago enorme nas pessoas (Figura 2). O veneno dela é capaz de necrosar a pele, causar falência renal e até mesmo levar a óbito. Além disso, a picada dela pode causar complicações como alteração e destruição de glóbulos vermelhos, coágulos e inflamações generalizadas.
Figura 2. Espécime de aranha-marrom. Foto: Rafael M. Porto.
Denise conta que a história da pomada começou em 1994 quando ela queria identificar e conhecer os compostos do veneno da aranha-marrom. Ela e sua equipe, por meio de engenharia genética, a capacidade de uma bactéria muito usada na genética (E. coli), criaram uma “fábrica” de esfingomielinase D usando essa bactéria. Para que tivessem quantidade suficiente para realizar os testes, uma vez que, a aranha-marrom produz pouco veneno. Com o tempo Denise percebeu que todas aquelas complicações causadas pela picada eram desencadeadas pela proteína esfingomielinase D. Conforme ela comenta, "Costumo dizer que o veneno só dá o 'start' e a proteína altera as células. Depois, ocorre uma desregulação do organismo, que leva à produção de proteases - enzimas cuja função é quebrar as ligações químicas de outras proteínas, o que, por sua vez, causa a morte celular e a necrose. São essas proteases, portanto, que devem ser inibidas pela pomada."
Os primeiros testes da pomada foram realizados em culturas celulares. Pois, mediante orientação jurídica e ética, os testes em animais são os últimos para que corram o menor risco possível. Depois de “Ok” com os testes em meio celular, eles escolheram os coelhos para os testes em animais. De acordo com Denise, "Os coelhos foram escolhidos por serem um bom modelo para o estudo da necrose de pele causada pela toxina da Loxosceles", explica Denise. "A lesão deste animal é parecida com a que se forma no ser humano. Injetamos o veneno na pele deles e depois de algumas horas começamos a tratá-los com uma pomada que continha tetraciclina e lanolina. Esta última entrou na composição porque é capaz de levar a droga para as camadas mais profundas da pele." A pomada reduziu a lesão em 80% em seu tamanho. A partir disso eles partiram para aos testes em humanos. Em outubro de 2018, essa nova fase de testes se iniciou. Ao total serão tratados 240 pacientes em hospitais de Santa Catarina, onde mais ocorrem picadas de aranha-marrom no Brasil. Posteriormente, a pomada passará pela aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).