Já comentamos em outros textos aqui no site sobre a grande diversidade de espécies ao longo das regiões neotropicais. Mas acabamos sempre esquecendo de falar de outras áreas do mundo, uma delas é a Antártida. A Antártida corresponde a aproximadamente uma vez e meia maior que todo o território do Brasil, porém, coberta de uma grossa camada de gelo. Ao contrário do que o imaginário popular propaga, essas regiões geladas e desérticas têm suas próprias biotas (conjunto de seres vivos) e esses seres vivos apresentam adaptações incríveis que os possibilitam viverem nesses ambientes.
Foi usando esse raciocínio que o pesquisador Leonardo José Silva aluno da Universidade de São Paulo (USP) resolveu explorar esses ambientes na Antártida (Figura 1). Inicialmente ele queria coletar algumas gramíneas (pequenas gramas) da espécie Deschampsia antarctica com objetivo de conhecer as bactérias que viviam somente nesses pequenos vegetais (Figura 2). Em 2014 ele e um grupo de pesquisadores foram para a Antártida e coletaram essas gramíneas e ao analisarem as bactérias que viviam nelas encontraram uma que produzia alguns compostos que inibiam o desenvolvimento de gliomas, um tipo de tumor/câncer que acomete o cérebro, a medula espinhal, a mama e o pulmão.
Figura 1. Leonardo coletando gramíneas em áreas da Antártida. Foto: Leonardo Silva.
Além disso, Leonardo ainda descreveu cinco novas espécies de bactérias endêmicas (que só vivem em um local) da Antártida. Ele e sua equipe ainda criaram um banco de dados cm 72 linhagens bacterianas. De acordo com Leonardo, "Como consequência das atividades de pesquisa, obtivemos uma coleção de actinobactérias produtoras de compostos antitumorais, as quais poderão ser exploradas em maior profundidade por meio de parcerias entre centros de pesquisas públicos ou pela iniciativa privada". Ele ainda acrescenta, "A razão pela qual empenhamos nossos esforços para a obtenção de compostos ativos é contribuir com o desenvolvimento de tratamentos para o câncer, de forma a prover maior expectativa de vida para pacientes." Na ciência chamamos esses compostos de bioativos, ou seja, compostos que podem ajudar em algum tratamento ou desenvolvimento de droga ou medicamento na cura de alguma doença.
Figura 2. Gramíneas coletadas por Leonardo e sua equipe. Foto: Leonardo Silva.
Os autores comentam sobre as perspectivas criadas a partir da dessas descobertas, "Os próximos estágios são testes in vivo (com animais), modificações estruturais para manter sua atividade e evitar efeitos danosos em células não doentes, testes da dosagem ideal e do encapsulamento das substâncias e, por fim, os ensaios em seres humanos. Tendo em vista que apenas duas linhagens descobertas foram exploradas, e que temos mais 15 outras produtoras de compostos anticâncer sem qualquer informação adicional, tenho como principal interesse estudá-las, em busca de novos compostos bioativos". Esse cenário de descobertas científicas diverge com o atual cenário político e conservacionista do Brasil. Pesquisas como essa correm grande risco de acabar por conta do corte de bolsas de pesquisas e financiamento de projetos. Os órgãos que cuidam disso como a CAPES e o CNPq estão a cada ano com orçamentos minúsculos, o que dificulta o avanço nas pesquisas.