O Brasil é um excelente lugar para a reprodução de diversas espécies animais por estar localizado próximo a linha do Equador, apresenta temperaturas amenas propícias para a reprodução e migração de aves, mamíferos e até tartarugas. Neste sentido, o litoral brasileiro é um importante local para a reprodução das tartarugas marinhas. Um mito por trás desse animal acaba de ser derrubado por pesquisadores brasileiros. As tartarugas marinhas não são tão fiéis aos seus locais de desova e aos seus parceiros quanto se pensavam. Foi isso que dois trabalhos genéticos realizados com populações ao longo do globo, incluindo o Brasil. O estudo foi realizado por duas pesquisadoras: Sarah Vargas da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Maira Carneiro Proietti da Universidade de Rio Grande (FURG) (Figura 1).
Figura 1. Sarah estudando as tartarugas marinhas na Austrália e no Brasil. Foto: Sarah Vargas.
Sarah trabalhou com algumas espécies de tartarugas brasileiras e depois foi para a Austrália estudar as espécies de lá. Ela comenta, "Com esses trabalhos, buscamos caracterizar geneticamente essas populações que nunca haviam sido estudadas com este enfoque. Isso é importante para entender as rotas migratórias das tartarugas, que podem nascer em uma praia de desova em um oceano, mas migrar milhares de quilômetros e se alimentar em outro local. Elas podem não ser 100% fiéis aos locais de seu nascimento. Na verdade é a única explicação para colonizarem outros lugares, ou seriam todas associadas a uma única praia de desova, e sabemos que não é o que ocorre.” Além disso, Sarah foi pioneira no Brasil ao estudar a múltipla paternidade de tartarugas marinhas no país. A maior parte das pesquisas usa apenas amostras das fêmeas, pois os machos raramente saem dos oceanos. Logo, Sarah explica, "Por isso, uma forma de se obter informações sobre os machos é usando a informação genética das fêmeas e seus respectivos filhotes para inferir dados como tamanho da população masculina. O trabalho sugere que a população reprodutiva de tartarugas-cabeçudas (Caretta caretta) na praia de Povoação, distrito do município de Linhares, no Espírito Santo, parece ser composta de, mais ou menos, dois machos para cada fêmea".
Já Maira fala sobre suas descobertas, "Eu e uma amiga, a hoje doutora Júlia Reisser, criamos um projeto para estudar as (Tartarugas marinhas) que viviam na Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, em Santa Catarina (Figura 2). Nos encantamos por esses animais e desde então sou fascinada por eles e continuo a pesquisá-los. No meu doutorado, pesquisei tartarugas-de-pente ao longo de várias áreas da costa brasileira, incluindo locais remotos como o Arquipélago de São Pedro e São Paulo e o Parque Nacional Marinho de Abrolhos. "No meu laboratório também estamos estudando tartarugas-cabeçudas e tartarugas-oliva (Lepidochelys olivacea) do litoral do Rio Grande do Sul. O objetivo é entender a biologia e a ecologia delas." Além disso, Maira estudou a diversidade genética, os locais de desova e alimentação e descobriu algo surpreendente até então para a Ciência: "Identificamos tartarugas jovens, ainda filhotes, em áreas de alimentação ao longo do litoral brasileira, resultado de cruzamentos entre diferentes espécies que se reproduzem na costa. Até agora, observamos animais resultantes da hibridização entre tartaruga-de-pente e cabeçuda, de pente e oliva, verde e cabeçuda e cabeçuda e oliva. "Por exemplo, as resultantes do cruzamento de cabeçuda com tartarugas-de-pente foram encontradas em maior número na Praia do Cassino, extremo sul do Brasil, que é um local de alimentação conhecido para a primeira, mas onde a segunda não ocorre comumente". Isso mostra que as tartarugas marinhas encontradas na costa do Brasil têm origem de áreas da África e do Caribe.
Figura 2. Maira em mergulho de estudo. Foto: Maira Proietti.